E se pudéssemos usar a tecnologia para mudar a forma como votamos?
Uma aplicação de blockchain para provocar mudanças na democracia
Texto publicado no Medium em 08/01/2018
Somos uma geração que não está muito satisfeita como a forma que as decisões democráticas são tomadas. Alguns simplesmente se cansaram do sistema e, assumindo que não tem mais jeito, desistem de participar. Outros são mais otimistas e tentam se tornar mais ativos politicamente para questionar as decisões tomadas. Mas mesmo assim a sensação que fica é que somos incapazes de um dia mudar algo.
Porém, o que todos nós podemos concordar é que estamos chegando a um ponto insustentável! Precisamos de uma alternativa para o modelo de democracia que temos hoje.
O modelo atual
O nosso atual sistema democrático funciona de uma forma totalmente antiquada.
O modelo de democracia representativa, que é o que usamos hoje, funciona de uma forma em que poucas pessoas tomam as decisões em nome de muitos. O cidadão tem a oportunidade de escolher o seu representante através de uma eleição uma vez a cada alguns anos e assim delega todo o seu poder de decisão em todas as questões para essa pessoa. Caso ele não goste de como esse representante usa seu voto em alguma decisão, esse cidadão tem que esperar até a próxima eleição para poder votar em outra pessoa e assim esperar que este novo representante tome decisões mais alinhadas com seus ideais.
No caso do Brasil o tempo entre uma eleição e outra é de quatro anos para a maioria dos cargos e de oito anos para senadores, ou seja se você não concorda com as decisões que o seu senador está tomando, você tem que esperar OITO ANOS
O-I-T-O A-N-O-S
Você tem que esperar por oito f***ing anos até poder colocar outra pessoa no lugar desta.
Você já parou para pensar no quanto que as decisões dessa pessoa podem impactar uma sociedade nesse período? E se elas forem ruins?
O que todo brasileiro tá cansado de saber (e já teve provas suficientes ) é que o poder, quando concentrado nas mãos de poucas pessoas, cria oportunidade para que ele seja usado de forma deturpada, beneficiando poucos grupos de aliados e gerando ganhos para os próprios representantes.
“O modo como o poder flui no mundo é muito similar a forma como a água flui em um rio. Quando o poder não flui como a água, tende a se tornar segmentado e sujo. E é aí que começamos a ver a corrupção em nossa vida pública, em nossa política.”
Sunny Sangha —TEDx Brum
E então como consequência temos representantes que não nos representam e o sentimento geral de incapacidade por não poder fazer nada quando estes tomam decisões vergonhosas, ou totalmente contrárias ao que prometiam defender. Temos representantes que se importam mais em tomar decisões baseadas nos interesses de um partido politico do que no interesse da população.
“ Não se sentir representado: o mal do eleitor do século XXI”
Mas será que é possível implantar um sistema diferente?Democracia Líquida
O que a democracia líquida se propõe a fazer é criar um sistema mais atualizado com a sociedade do século XXI. Em uma época em que as pessoas podem participar ativamente de varias discussões através da tecnologia, ela usa esse recurso para devolver à população o protagonismo na tomada de decisões.
Na democracia líquida:
- Qualquer cidadão pode propor uma ideia e se houver interesse e apoio suficiente para aquela ideia, é aberto um debate público seguido de um voto.
- Tudo isso é feito através de uma plataforma online onde todos os cidadãos teriam acesso.
- Um cidadão pode escolher votar em todas as questões discutidas ou se não quiser, por falta de tempo, interesse ou expertise pode delegar seu voto para uma outra pessoa, alguém que é de confiança daquele cidadão e/ou tem mais conhecimento sobre alguma causa especifica.
- Caso você não goste da forma como esse representante votou, você também pode retomar seu voto.
- Em uma democracia líquida, um cidadão comum pode se tornar poderoso se várias pessoas delegarem seus votos a ele, sem ter que entrar em um partido político, sem ter que se candidatar, mas simplesmente por ser conhecido e confiável por pessoas ao seu redor em sua comunidade.
Implementação da Democracia Líquida
O Democracy Earth(uma organização sem fins lucrativos comprometida com a missão de governança sem fronteiras) está construindo a infraestrutura que vai permitir que os cidadãos usem a democracia líquida.
Através do Sovereign, um software open source que usa blockchain para criar uma rede descentralizada e incorruptível, os cidadãos poderão se registrar com uma identidade única e receber um conjunto de votos (tokens) criptografados, semelhantes a uma unidade de criptomoedas e usado para garantir a integridade dos votos dos usuários registrados. O fato de ser decentralizado, significa que o sistema não é controlado por nenhum governo ou autoridade central, assim como comparando com as criptomoedas, as transações na rede do bitcoin não são controladas por um banco central.
“Uma Internet livre e aberta deve perseguir a criação de uma rede social onde nenhuma entidade pode exercer o controle algorítmico das idéias compartilhadas em troca da informação privada de seus usuários” —Democracy Earth paper
Esse sistema também visa permitir que os processos de tomadas de decisão (voto) possam ser feitos entre instituições de vários tamanhos, desde as mais locais até as que influenciam questões globais.
Novas formas de governança devem reconhecer os recursos comuns em rede conectando a humanidade e enfraquecendo progressivamente o legado das fronteiras nacionais e sua inerente incapacidade de abordar questões globais urgentes, como mudanças climáticas, desigualdades crescentes, terrorismo, automação e migrações forçadas —Democracy Earth paper
Votação
Um exemplo de como os votos podem ser usados dentro do Sovereign
Voto direto:A eleitora Alice pode usar seus tokens para votar diretamente em questões como em uma democracia direta.
Delegação Básica:Alice pode delegar votos para Bob. Enquanto ele tiver acesso a esses tokens, pode usá-los para votar em nome de Alice.
Delegação Limitada por Tag:Alice pode delegar votos para Charlie sob a condição especificada de que ele só pode usar esses tokens em questões que carregam uma tag específica. Se a delegação específica que os votos delegados só podem ser usados em decisões com a tag #meioambiente, então Charlie não poderá usá-los em nenhum outro lugar que não seja relacionado a questões específicas de meio ambiente. Isto leva a um modelo de representação não baseado em território, mas em conhecimento.
Delegação Transitiva:Se Bob recebeu votos de Alice, ele pode então delegar isso à Frank. Isso gera uma cadeia de delegações que ajuda a capacitar os atores específicos dentro de uma comunidade. Se Alice não deseja ter terceiros recebendo os votos que ela delegou para Bob, ela pode desligar a configuração transitiva no contrato de delegação. As delegações circulares (por exemplo, Alice recebendo os tokens que ela enviou à Bob de Frank) são proibidas, uma vez que a alocação original de votos de uma organização para seus membros contém uma assinatura que indica quem é o proprietário soberano dos votos.
Alteração de voto:Se Bob já usou os votos delegados que ele recebeu de Alice, mas ela tem uma opinião diferente sobre uma questão dada, como o dona soberana de seus votos Alice sempre pode anular a decisão de Bob. Os eleitores sempre têm a última palavra em qualquer decisão com seus votos originais.
Votação pública:Muitas vezes referida como a regra de ouro das democracias líquidas, todos os delegadores têm o direito de saber como seu delegado votou em qualquer questão com seus votos. Da mesma forma que os votos dos congressistas são públicos, em democracias líquidas os delegados concorrentes em qualquer tag têm um incentivo para construir uma reputação pública com base em seu registro de votação, a fim de atrair mais delegações.
Voto Secreto:Um método capaz de garantir transações voto não rastreáveis de volta para o eleitor. Isso é indispensável em contextos de eleições públicas realizadas em grandes populações que apresentam alto risco de coerção.
Voltando para a realidade
Implantar uma democracia líquida como forma de governo em um país como o Brasil parece utópico agora. Além do desafio tecnológico, a maior barreira é cultural, pois os partidos politicos e os politicos profissionais não estão dispostos a mudar a forma como eles tomam suas decisões (pelo menos a maioria deles).
Mas podemos começar aos poucos implantando e testando esse sistema em em organizações, comunidades, formando uma rede de cidadãos conscientes, que através de discussão, e ação podem provocar mudanças pontuais e quem sabe no futuro mudar totalmente o sistema atual.
O que dá para fazer agora
Podemos começar a criar esse movimento global e discutir o tipo de democracia que queremos no século XXI. E o Democracy Earth pode ajudar nisso, o Sovereign foi lançado em novembro de 2017 em fase alpha e ainda está em construção. Para funcionar como projetado precisa ser testado em vários espaços, precisa dos tomadores de decisão, de organizações e coletivos que podem se beneficiar da implantação da democracia liquida em suas governanças.
“Democracy is always a work in progress”
Existe várias formas de contribuir com o projeto:
Para os interessados na tecnologia, o projeto é open source, então você pode contribuir com suas habilidades técnicas, ajudando a desenvolver a plataforma.
Para os interessados na ideia, o white paper do projeto é um documento vivo, onde as pessoas podem discutir e contribuir com sua criação.
Existe também um canal no slack onde você pode trocar uma ideia com várias pessoas que também estão interessadas no projeto.
Você também pode iniciar esse debate na sua comunidade, levando o Democracy Earth para sua cidade, através do programa de embaixadores.
Acredito que tem muita gente incrível no Brasil com vontade de fazer algo para melhorar o nosso país, então ao invés de só testemunhar vamos ser protagonistas dessa mudança!